Isso é um problema pro seu eu do futuro
A difícil arte de delegar tarefas para nossas versões temporais
Quando eu uso a última folha do rolo de papel higiênico, tenho o péssimo hábito de deixar a função de trocar o rolo para a minha eu do futuro. Logo, quando a minha eu do presente, outrora do futuro, se depara com o rolo de papel vazio, sempre fica irritada com a minha eu do passado.
Nessas horas, eu percebo que não é pra tudo que se deve aplicar a fórmula que tenho gostado tanto de usar e que, talvez, eu precise calibrar melhor pra aprender a distinguir as situações adequadas das inapropriadas.
“Isso é um problema pro seu eu do futuro.”
Dizer isso pra mim mesma foi um jeito que encontrei de lidar com a minha ansiedade ou, como o diagnóstico neuropsicológico aponta: TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) que, frequentemente me atira nos braços do futuro, me lançando em cenários hipotéticos ou muito distantes da minha atual realidade. E que geralmente estão total ou parcialmente fora do meu controle.
Costumo fazer o mesmo quando um amigo compartilha comigo um problema dessa natureza. Na tentativa de reduzir a angústia e ajudar a organizar a prioridade de problemas, sugiro deixar o que está fora de alcance para a sua versão futura se ocupar lá na frente. Não é o conselho mais sábio do mundo, eu sei, mas como funciona pra acalmar os meus nervos, eu fico na esperança que tenha o mesmo efeito em quem tá lidando com esse tipo de aflição.
Tipo quando alguém comenta que tá com dor de cabeça: automaticamente eu já saco uma dipirona da bolsa e ofereço. Sempre carrego uma cartela desse remédio comigo porque é ele que alivia minhas enxaquecas. Mas nem sempre faz o mesmo efeito pra outra pessoa, ela pode ter alergia, não gostar de tomar medicamento, enfim. Nem tudo que funciona pra mim, funciona pra você e vice-versa. E é por isso que esse texto não se trata de defender uma “fórmula mágica”, mas de compartilhar experiências das minhas tentativas de driblar um cérebro atípico, acreditando que situações assim podem ser comuns também para pessoas altamente funcionais.
Desde que comecei a olhar para uma preocupação e dizer “isso é um problema pra Roberta do futuro”, me sinto ligeiramente mais tranquila. Tudo bem que, às vezes, eu preciso parar, respirar, olhar bem no fundo dos olhos de um pensamento, encará-lo por alguns minutos e dizer: “hoje não, Faro!”.
E quando ele volta, repito que ele não cabe no meu presente, torcendo pra que, tomado pelo sentimento de rejeição, ele se debande.
A verdade é que nós, criaturas ansiosas, em maior ou menor grau, diagnosticadas ou não, volta e meia nos encontramos em situação de sofrimento imaginando cenários que ainda estão muito distantes ou criando os piores desfechos para coisas que talvez sequer se concretizem.
Diante dessas circunstâncias, avisar ao cérebro que isso é um problema para o futuro, traz certo conforto. Para mim, pelo menos, geralmente funciona. Tem sido minha dipirona emocional: não cura, porque a dor sempre volta, mas alivia no momento.
Meu desafio agora é aprender a distinguir o que posso delegar para meu eu do futuro e o que cabe ao meu eu do presente, pois, quando se trata de tarefas simples, como trocar o rolo de papel higiênico, minha versão futura não sofre grandes impactos. Ela fica irritada, às vezes me xinga, mas resolve em instantes, e a vida segue. Porém, quando deixo para ela a responsabilidade de terminar um projeto em dois dias, que eu poderia ter começado 15 dias antes, a história é outra.
Essa minha versão, que tá logo ali, no futuro próximo, tem ficado muito sobrecarregada pela procrastinação que se esconde na frase “isso é um problema pra sua eu do futuro” e não quer nem ouvir falar dessa ladainha. Ela não passa frio, pois está coberta de razão.
Mas aí entra a mãe da procrastinação, que é o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade), tentando explicar que não é culpa dela. A procrastinação é apenas uma subordinada; quem gerencia e prioriza as tarefas é o TDAH, que, embora esteja no comando desde que me entendo por gente, eu só descobri agora, aos 40 anos. E ainda estou buscando um jeito de conciliar todos esses transtornos e desativar o máximo de botões cujo controle ainda não sei como tirar deles.
Ajuste, calibragem, paciência, terapia. Um dia de cada vez. Ufa!
O caminho que a gente trilha em busca de estabilidade emocional nunca é linear. Tem alguns trechos que são péssimos, mas, mesmo nas estradas mais esburacadas e sinuosas, atravesso resignada, pois foi minha escolha percorrer esse caminho. E não tem volta, é o meu ponto de não retorno.
Observar minhas emoções, investigar meu cérebro, testar maneiras de ter uma relação mais saudável com esse órgão que tenho em alta conta – e que, por ser quimicamente prejudicado e desaplaudido, não deixo nas mãos do meu eu do futuro. Faço questão de cuidar dele agora, no presente, continuando o que minha versão passada começou anos atrás, quando finalmente entendi que saúde mental é tudo.
Mas tudo isso você já deve imaginar do que se trata, né? No fundo, eu morro de medo de enlouquecer!
Bom, esse é um problema pro meu eu do futuro.
Vi, gostei, compartilhei:
Não é novidade que eu gasto muito tempo observando como eu me movimento no mundo, mas eu também faço isso nas minhas interações e, quanto mais a idade avança, mais se torna essencial ter bons diálogos e conversas agradáveis, independentemente do assunto, a condução é que dita a qualidade da proza. A Wired publicou uma matéria super interessante desvendando a ciência por trás de uma boa conversa.
Esse mês, na minha coluna do Euro Dicas, eu falei sobre como a vida no exterior é distorcida e tratada de maneira equivocada por tantos “influencers de imigração”: a vida na Europa como ela não é.
Confissões de uma garçonete, no Sofá da Surina.
Os brinquedos dentro da gente: você ainda tem você. Uma lindeza de texto.
Depois de ler O Parque das Irmãs Magnificas e ter ficado encantada pela escrita de Camila Sosa Villada, eu estava em dúvida sobre qual o próximo livro dela que eu mergulharia. Agora não tô mais, graças a esta edição maravilhosa da Catharina Mattavelli: o modo de vida doméstico em seus amores e horrores.
Ainda sobre literatura, um texto que me divertiu: Um guia para ser um leitor BRAT.
E um necessário, com dicas de livros para entender o fogo que queima o nosso Brasil.
Obrigada por ter chegado até aqui.
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Um beijo e até a próxima edição!
Roberta Simoni
suas palavras no mundo, ê delícia 🩵
Adorei, mais um texto incrível de Roberta Simoni