Você é do tipo que surfa ou leva caixote?
Uma metáfora que talvez faça mais sentido pra galera do Grupo 2
Eu acho que antes de descer aqui pra Terra, o pessoal que faz a triagem dos espíritos que vão encarnar, separa a galera em dois grupos:
O grupo 1 é da turma que já desce praticamente surfando nas ondas como se tivesse nascido em cima de uma prancha. Além disso, eles são bem adaptados às mudanças da maré, sabem a hora de entrar e sair do mar, em suma: são surfistas natos.
O grupo 2 é da galera que ama o mar, acha lindo, mas toma um caldo atrás do outro. Normalmente são aqueles que protagonizam cenas patéticas na beira da praia, levando altos caixotes, engolindo areia, se ralando e perdendo alguma peça da roupa de banho. Alguns se dedicam a aprender, chegam a se matricular em escolinhas de surf, outros acabam se traumatizando e se limitam a respeitar o mar.
Eu, quando desci, fui logo lançada numa cidade com praias paradisíacas, no litoral do Rio de Janeiro. Cresci metade dentro e metade fora d’água do mar. Quase uma Ariel pançudinha.
Esse cenário de águas cristalinas por onde eu nadava com uma desenvoltura pra nenhuma sereia da Disney colocar defeito, me distraiu por quase duas décadas (o tempo que morei em Cabo Frio), até eu precisar cuidar da minha própria vida e descobrir que apesar de amar o mar, eu não sabia surfar.
Na real, eu precisei conviver com vários surfistas de diferentes tribos ao longo da minha vida para perceber que eu não pertencia àquele seleto grupo. É que eles não andam por aí com suas pranchas, tampouco têm pinta de surfista, muitos nem sequer frequentam a praia. Eu costumava achar que era mais fácil identificá-los quando eles estavam carregando pastas e vestindo terno e gravatas. Mas com o tempo eu fui percebendo que isso podia ser só fachada. Tem mó galera que usa esse disfarce, mas que também faz parte do grupo 2.
Claro que tem gente que tá no grupo 2 e nem sabe, ainda tá pra descobrir. Não é incomum esse tipo de coisa acontecer no segundo grupo. Tem casos de gente que, assim como eu, demora décadas até ouvir o barulho da ficha caindo pra finalmente sacar que vai passar a vida levando um caixote atrás do outro enquanto o coleguinha do lado tá ali, fazendo a mesmíssima coisa, com uma desenvoltura admirável.
Eu sou fruto de uma relação cujo casal se divide assim: minha genitora faz parte do grupo 1 e meu genitor faz parte do grupo 2. Mamãe, embora não tenha nenhuma intimidade com o mar, surfa nas ondas desse planeta como se já tivesse nascido preparada para todo tipo de maré, enquanto papai, exímio mergulhador e pescador, é incapaz de se equilibrar em cima de uma prancha.
Lá na hora da triagem, eu acabei indo pro mesmo grupo do meu genitor. Fatalmente é onde a maioria de nós estamos destinados a ir parar. Se você reparar, o grupo dos surfistas é quase um clã, de tão vip que é.
Meu genitor, no entanto, por estar nesse planeta há mais tempo do que eu, desenvolveu certas habilidades para furar as ondas mesmo sem usar nenhuma prancha. Ele tira de letra as burocracias (tanto que até trabalha em um cartório), enquanto eu só de pronunciar a palavra burocracia sinto um frio na espinha. Em contrapartida, enquanto ele se recusa a tratar dos transtornos mentais, eu já vim na versão (Beta) mais atualizada e desci disposta a tentar consertar tudo que tá escangalhado.
Foi só quando eu passei a morar com meu namorado que pude observar de perto como funcionam as pessoas do grupo 1. O pragmatismo é seu traço mais marcante. Não é que eles dominem tudo, vez ou outra eles também caem da prancha, mas seu senso prático ajuda-os a deslizar nas ondas a maior parte do tempo. Aquilo que pra nós é sempre uma tortura, pra eles, eventualmente, também pode ser.
A enorme diferença é que eles tratam logo de resolver, livrando-se imediatamente do problema, enquanto nós, do grupo 2, procrastinamos, chegando a dormir e acordar com o problema por meses - em alguns casos, até anos - , fazendo com que o sofrimento se prolongue e o problema aumente até tornar-se insustentável e alguém com habilidades do grupo 1 interceda por nós.
A gente olha pra eles sem entender como conseguem surfar com tanta facilidade e eles olham pra gente sem compreender como somos incapazes de entrar e sair do mar sem tomar um caldo atrás do outro.
Às vezes eu me pergunto se alguém como eu, que nasci no segundo grupo, pode evoluir a ponto de fazer parte do primeiro grupo algum dia. Deve ser muito gostoso saber surfar nas ondas desse planeta. Imagina… deslizar macio, não sentir-se amofinado com as intempéries que acontecem o tempo todo? Ter uma mentalidade mais lógica do que emocional pra variar, pensar e agir de forma que te mantém equilibrado na prancha, surfando suave no mar, ah…
Meu sonho de princesa!
Por enquanto, o máximo que eu consigo fazer é ficar observando os peixinhos aqui no fundo, porque embora eu continue perdendo de 0 a 10 pro mar, eu insisto em nadar. Levo um caixote atrás do outro, mas não me intimido. Depois que eu atravesso as ondas, consigo boiar por muito tempo sem cansar, mergulho razoavelmente bem, sou boa em apneia e não tenho medo das profundezas do oceano.
Mas isso não necessariamente me coloca em posição de vantagem, pois veja: eu não sou criatura aquática. Sempre chega a hora de voltar à margem, e é justamente aí que eu me lasco todinha. Mais de uma vez já fui levada pela correnteza e precisei ser resgatada.
A vantagem dos meus colegas de grupo que tomaram caldos que deixaram-nos completamente desnorteados e traumatizados é que alguns deles não se arriscam mais a entrar no mar. Respeitar aquilo que não se tem conhecimento é essencial, disseram eles. E, até certo ponto, eu concordo. Isso certamente os mantém mais seguros.
Mas, eu sei lá, sabe? Acho que parte de mim ainda insiste em entrar no mar porque minha natureza continua desejando veementemente aprender a pertencer ao outro grupo… só que do jeito mais complexo, porque é também o mais poético - e, é claro, o que rende mais histórias pra contar.
Vi, gostei, compartilhei:
Esse episódio do podcast Acessíveis, da Titi Müller e MariMoon, que teve a maravilhosa Rita Von Hunty como ilustre convidada. Elas bateram altos papos sobre a potência dos afetos, ciência política, revolução, filosofia, educação, fim do mundo e muito mais.
No site do Euro Dicas, escrevi um artigo com dicas de séries italianas imperdíveis para maratonar e outro com uma lista de 11 filmes italianos que todo cinéfilo precisa assistir. Pra quem curte o cinema italiano, vale dar uma espiada.
Queria ser grande, mas desisti: sobre gerações, Bruno Mezenga e a internet.
A pergunta que nós, produtores de conteúdo, temos nos feito cada vez mais: o Instagram ainda faz sentido?
Pra finalizar, esse moço aqui (é o terceiro vídeo do carrossel), furando as ondas sem sequer precisar de uma prancha pra exibir sua desenvoltura e habilidade, inclusive de sambar na cara do grupo dos desaplaudidos. Bravissimo!
Você pode continuar lendo meus textos gratuitamente, mas se quiser colaborar com o cafezinho desta escritora, é só fazer upgrade da sua assinatura aqui. Custa pouquinho e eu vou ficar imensamente agradecida. :)
Curta, comente, interaja comigo. Vamos construir laços e memórias! ♥️
Para adquirir um exemplar do meu livro, é só clicar nele!
Você também pode me acompanhar lá no Instagram: @robertasimoni
Um beijo e até a próxima edição!
Roberta Simoni
Eu acho que surfo! Mas numa tampa de isopor pq é cada caixote que pelamor ! Mammamia.. heheh
Eu sou do grupo 2, mas ando tentando me bandear para o grupo 1!!! Ter filho me deixou mais corajosa <3